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Qui, 05 Abr 2018 15:46:00 -0300
Morre Ruth Nussenzweig
O mundo perdeu no último domingo, 1, um dos principais nomes da pesquisa contra a malária e uma das maiores representatividades da mulher na ciência. Pesquisadora que compôs a primeira edição do projeto Pioneiras da Ciência do Conselho Nacional de Desenvolvimento Cientifico e Tecnológico (CNPq), Ruth Sonntag Nussenzweig morreu, aos 89 anos, em consequência de uma embolia pulmonar, em Nova York, onde vivia desde meados dos anos 1960, depois de deixar o Brasil durante o regime militar.
Austríaca, emigrou para o Brasil ainda menina. Entrou na Escola de Medicina da Universidade de São Paulo (USP) em 1948, onde conheceu Vitor Nussenzweig, com quem se casou e graduou-se em 1953. Ruth e Victor tiveram três filhos (Michel, André e Sonia). Sua formação científica iniciou-se durante o estudo universitário, no Departamento de Parasitologia da USP, então chefiado pelo Dr. Samuel Pessoa.
Trabalhou vários anos no problema da transmissão da doença de Chagas pela transfusão sanguínea e sua prevenção. Demonstrou que a Doença de Chagas pode ser adquirida por transfusão sangüínea e que a adição de violeta de genciana ao sangue infectado previne a transmissão da doença. Em 1958, mudou-se para a França para realizar seu pós-doutoramento, em bioquímica, no Collège de France.
Em 1960 retornou ao Brasil onde ficaria por pouco tempo. Com o objetivo de aprender e avançar ainda mais se mudou para os Estados Unidos para trabalhar com o Dr. Zoltan Ovary na New York University (NYU) enquanto Vitor, seu marido, foi trabalhar com o Dr. Baruj Benaceraf (que ganharia o Prêmio Nobel em Medicina em 1980). Em 1964, decidira voltar ao Brasil, então sob o regime militar. Como o clima político não era favorável à pesquisa, retornou à New York University logo após a conclusão de seu doutorado pela USP. O brilhante desempenho de Ruth lhe conseguiu a vaga de imunologista para a cadeira de parasitologia. Na época, a biologia da malária estava sendo estudada por outros professores do Departamento e Ruth iniciaria então estudos a respeito da resposta imune contra a doença. Foi inicialmente indicada como Professora Assistente (1965), mas rapidamente virou Professora Associada (1968) e Professora Plena (1972).
Durante este período, Ruth fez uma grande descoberta, demonstrando em animais de laboratório que era possível obter proteção contra o parasita causador da malária por meio da irradiação do micróbio. Esta descoberta foi publicada em 1967, na revista Nature, o mesmo periódico onde anos antes havia sido publicada a estrutura do DNA. Esta descoberta gerou imenso entusiasmo e serviu de base para as pesquisas que visavam desenvolver uma vacina contra a malária. Em 1976 foi indicada Professora Titular e Chefe da Divisão de Parasitologia do Departamento de Microbiologia e, em 1984, tornou-se Professora Titular do Departamento de Parasitologia Médica e Molecular da NYU. Até hoje, em nenhuma outra faculdade de medicina dos Estados Unidos há a cadeira de Doenças Parasitárias.
As pesquisas desenvolvidas por Ruth no campo da Parasitologia e de Doenças Tropicais, com ênfase em malária, lhe trouxeram reconhecimento internacional. Durante sua carreira, integrou diversos grupos de trabalho e missões e prestou consultoria à Organização Mundial de Saúde, entre outras, em atividades voltadas para o controle e a erradicação de doenças tropicais, como a Doença de Chagas e a malária. Ruth tem mais de 200 trabalhos publicados nas revistas mais conceituadas nacionais e internacionais e foi honrada com inúmeros prêmios e condecorações, nacionais e internacionais. Em 1998, foi condecorada pelo Presidente da República com a Ordem Nacional do Mérito Científico classe Grã-Cruz.
Nas últimas décadas, Ruth estabeleceu uma colaboração com uma equipe da Fiocruz, no Brasil, para testar uma vacina contra a malária utilizando o vírus da febre amarela como vetor. Os resultados foram promissores e já começam a ter seus resultados testados. Produzida por uma empresa farmacêutica multinacional a partir da fusão de uma proteína da superfície do parasita causador da malária (Plasmodium falciparum) e outra da superfície vírus da hepatite B, a vacina será aplicada a partir deste ano em 360 mil bebês de áreas com alta incidência de malária de Gana, Maláui e Quênia que serão acompanhados ao longo dos próximos anos.
Ruth e seu marido Vitor Nussenzweig, foram, sem dúvida, os dois mais importantes pesquisadores brasileiros sobre malária, e estão entre os principais do mundo. Ruth deixa o marido e três filhos, todos pesquisadores: Michel Nussenzweig, imunologista da Universidade Rockefeller, nos Estados Unidos; André Nussenzweig, pesquisador do Instituto Nacional do Câncer dos Estados Unidos; e Sonia Nussenzweig Hotimsky, professora de antropologia na Escola de Sociologia e Política de São Paulo.
Coordenação de Comunicação Social do CNPq